Monarquia em três tempos
PRIMEIRO TEMPO
Hoje, 15 de setembro de 2024, o Senhor Henry Charles Albert David, Duque de Sussex, e mais conhecido como Príncipe Harry, completa 40 anos de idade.
Há cerca de 12 anos, em 2012, ele realizava a sua primeira visita ao Brasil, ainda solteiro. Na época da visita em março, eu estava em Recife a trabalho. E assisti pela TV do hotel todo o burburinho em torno da visita do nobre rapaz.
Ele veio, como “embaixador de sangue azul”, promover o Reino Unido e o fortalecimento de laços comerciais com o Brasil. Havia veículos de escolta, agentes de segurança, todo um aparato para protegê-lo da multidão de curiosos e curiosas desejosos de verem de perto o “príncipe gatinho”. O jovem Harry quebrava o protocolo e saía da formalidade, de forma natural, o que o tornava mais simpático. Mas, sendo príncipe jamais se deixou de dispensar a ele o tratamento especial digno de um membro da Família Real britânica.
SEGUNDO TEMPO
No dia seguinte, durante o voo de retorno a Salvador eu assistia a um dos canais a bordo do Embraer 190 da Azul. O programa era um reality show no qual uma família de classe média americana, formada por um casal e dois filhos adolescentes, viajava para Gana. Lá na África estavam vivendo uma experiência de convívio com uma comunidade local, numa aldeia de vida simples e desprovida de modernidades a que estavam acostumados como tv, geladeira, micro-ondas, celular e McDonald´s.
Em um determinado dia, a família é convidada a visitar o líder da aldeia, uma espécie de cacique da região. O soberano estava sentado em meio a um comitê de notáveis (seria o parlamento deles ?) com seu traje de gala e os outros membros da comunidade lhe faziam reverência. O patriarca da família americana ajoelha-se diante da autoridade e lhe entrega um presente. O programa já editado mostrava as imagens da família e os comentários deles, em off, sobre cada situação vivenciada. Logo após a cena do americano ajoelhado diante do líder africano, aparece a filha comentando que achou estranho o pai ter que se ajoelhar diante de um estranho e conclui julgando a cena que presenciou com um adjetivo: STUPID!
Isto me levou a pensar em como o mundo ocidental vive apegado à ideia do eurocentrismo e ao olhar preconceituoso do centro para a periferia. Qual seria a diferença entre um plebeu americano ajoelhar-se diante de um monarca africano e ajoelhar-se diante de Elizabeth II que era a Rainha do Reino Unido na época ? A adolescente americana possivelmente diria que ajoelhar-se diante da Queen Elizabeth, no mínimo daria uma selfie muito chique, e digna de viralizar nas redes sociais. Mas ajoelhar-se diante de um africano vestido com roupas esquisitas e coloridas no meio do mato, era para ela, something stupid.
TERCEIRO TEMPO
O programa acabou e chegou a hora do meu desembarque. No caminho para o recolhimento de bagagens fiquei pensando na visita do príncipe Harry, no reality show que assisti no voo e lembrei de uma viagem ao Reino Da Suécia. Fiquei hospedado num pequeno navio-hotel ancorado num dos fiordes que dividem Estocolmo em 14 ilhas. Fui recebido pelo gerente com uma garrafa de vinho e ele falou da satisfação em receber brasileiros ali porque a esposa do Rei Carlos XVI Gustavo, a Rainha Silvia Sommerlath, nasceu na Alemanha, mas tem mãe brasileira e viveu no Brasil durante parte da sua infância.
Quando a conversa ficou animada eu ousei perguntar ao novo amigo sueco o que fazia um povo de país tão civilizado e moderno (excelentes indicadores de bem-estar social, sede de empresas de tecnologia avançada tais como Atlas Copco, Electrolux, Ericsson, Scania, Tetra Pak, Volvo...) manter um sistema monárquico. Nas bancas de revistas e livrarias da Suécia as fotos do rei, da rainha, da família real e livro com suas biografias são souvenirs expostos com destaque nas vitrines.
O sueco me respondeu que as pessoas que visitam a Suécia querem ver o Palácio Real, querem saber do Rei, mas não perguntam pelo Primeiro Ministro; quando o Rei da Suécia viaja para outro país, a notícia ganha destaque – assim como aquela do Príncipe Harry ao Brasil – e o rei é quem faz a promoção e marketing da nação sueca. Por fim, ele concluiu dizendo que, desde criancinhas eles são educados para saber da existência da família real, aceitá-la e venerá-la e isto é um valor que não se questiona na Suécia. Ou seja, um jeito educado de dizer que a minha pergunta não era uma inquietação deles, eles estavam bem resolvidos sendo uma nação desenvolvida sob regime monárquico, mesmo sendo um sistema que no passado foi sustentado pela teoria do direito divino.
PRORROGAÇÃO
Os estadunidenses nunca tiveram uma monarquia, mas há uma relação estreita com o Reino Unido. Foram colonos britânicos que fundaram as Treze Colônias que deram origem ao que hoje são os Estados Unidos da América. De igual forma, EUA e Reino Unido estão inseridos no conceito geopolítico de centro, diferente de Gana que está na periferia. Isto possivelmente explica porque, para a adolescente americana, a reverência ao cacique africano era algo descabido. E quem sabe explica porque a passagem do Príncipe Harry pelo Rio de Janeiro causou frisson entre muitas jovens cariocas. Desejosas de viver com ele um conto de fadas ou uma vida a dois tal qual vive hoje a Duquesa de Essex, mais conhecida como Meghan Markle.
#monarquia #PríncipeHarry #Gana #ReinodaSuécia
*Antonio Carlos Ferreira é Mestre em Relações Internacionais, Especialista em Planejamento Estratégico e Políticas Públicas, Administrador, Coach de vida e carreira e Consultor Empresarial.
Muito bom. Ainda temos no corpo e mente os resquícios de nossa Colonização. Continuamos acreditando que somos pequenos e devemos endeusar os “grandes”.
Até entendermos que o conhecimento liberta.